Krapp está na cabeça de Krapp que está na cabeça de Krapp. Recorre a um gravador de bobines para resgatar, a cada aniversário, "o que esquecer não se pode". Liga, desliga e volta a ligar; rebobina ou faz avançar a fita, insistindo em algumas passagens e elidindo outras. A memória opera por descontinuidades, contém falhas impossíveis de colmatar. Em A Última Gravação de Krapp, a voz gravada confunde-se com a vida, ou a vida não é mais do que a escuta que a voz faz de si mesma? Nuno Carinhas regressa àquela que é, nas suas palavras, "provavelmente a peça mais nostálgica, melancólica e lírica de Samuel Beckett". Em Uma Noite no Futuro, espetáculo que encenou no Teatro Nacional São João em 2018, Krapp dividia o palco com personagens de Velha Toada (adaptação de Beckett de La Manivelle, de Robert Pinget) e do vicentino Auto da Fé. Mas agora Krapp está sozinho em casa. "Passa da meia-noite. Nunca nada foi tão silencioso. Como se a terra fosse desabitada. Termino aqui esta gravação. Caixa três, bobine cinco." |