Dizia-se, então, «dar testemunho»: querendo com isso dizer agir de acordo com os ideais que se proclamavam.
Sou de uma geração em que, para muitos, as ideias e as palavras contavam.
Por tal razão, muitos foram os que, por isso, pagaram, mesmo que de diferentes modos e com distintas intensidade e consequências.
As ideias e palavras implicavam e definiam opções, percursos, riscos e futuros de vida.
Não me refiro apenas às consequências – e elas eram duras e em muitos caos duradouras – que a repressão da ditadura fascista que nos governou impunha.
Aludo, também, aos próprios caminhos que cada um, depois, decidiu percorrer, sabendo, antecipadamente, os desfechos e limitações que tais opções determinavam.
As palavras de um Papa que pretendia reformar a Igreja, as ideias de um dirigente político – nacional ou estrangeiro – que ambicionava mudar o mundo, todas elas pareciam fazer sentido e ter implicações práticas para os que as ouviam, nelas acreditavam ou não, nelas, ainda assim, meditavam e, depois, procuravam atuar de acordo com os ensinamentos que das mesmas retiravam.
Qualquer manifestação de um novo pensamento religioso, político, social, filosófoco, moral determinavam os intelectuais, de um e de outro lado, a tomar posição pública, empenhada e militante.
Dizia-se então «dar testemunho»: querendo com isso dizer agir de acordo com os ideais que se proclamavam.
Mais abertamente, mais escondida ou clandestinamente, todas as ideias novas, todas as novas palavras de ordem impunham uma atitude intelectualmente crítica e, simultaneamente, uma predisposição para a ação dos que, acolhendo-as, ou rejeitando-as, por elas se interessavam, pois acreditavam poderem, com razão ou sem ela, ajudar a mudar os destinos da humanidade.
Na última semana, Portugal recebeu um Papa que, por fim, compreende o mundo atual e os seus desafios: o Papa Francisco.
Refiro-me a um mundo globalmente afetado pelos mesmos problemas e os mesmo riscos e necessitado, urgentemente, de um destino e de uma alternativa verdadeira que não continue a condenar ao sofrimento uma parte de humanidade – a sua maioria – e, por ora, a salvar apenas a outra, que, do destino imediato da primeira, parece desinteressada.
Não há alternativa, dizem estes, para não se sentirem responsáveis e culpados pelo caminho para o precipício que a todos - mesmo aos mais afortunados - a insistência nos axiomas liberais e radicais individualistas inevitavelmente conduz.
Hoje, porém, vendo as TVs, ouvindo as rádios, lendo, depois, os comentadores encartados dos jornais, parece que as ideias que o Papa Francisco insiste em agitar, os caminhos corajosos que propõe, nada de relevante sugerem, nada, na verdade, tem a virtualidade de contribuir para mudar a vida da humanidade.
De tal omissão, precisamente, se dá conta São José Almeida no Público do passado sábado.
Para além dos paliativos – sempre necessários – que, desde já, se impõem e que podem minorar provisoriamente, os malefícios mais óbvios e impudentes do sistema global que a todos governa, parece que não há quem retire ensinamentos e procure nas palavras do Papa um guia efetivo para a ação, uma disposição pessoal e coletiva para, verdadeiramente, mudar o mundo.
Não falo já das, mais que necessárias, tomadas de posição políticas dos governantes que se assumem como católicos e que, para além da evidente e contagiante alegria que evidenciam com a presença próxima do Papa, pouco retiram e, sobretudo, pouco espelham, no seu múnus, das mensagens de solidariedade e paz que ele deixou e que tanto aplaudiram.
Falo, também, do silêncio dos intelectuais de todas as orientações, religiosas, filosóficas, políticas e sociais, que ante o questionamento radical que o Papa fez, no CCB, do sistema político-económico que, com variantes, governa, afinal, toda a humanidade, nada de realmente importante acrescentam, nem para o apoiar, nem para o criticar.
Dos media, sabíamos já, antecipadamente, que, para além dos repugnantes casos de pedofilia no seio da igreja, que sempre evocam e comentam – mas eles existem e existiram, também, em outros sectores da sociedade, nesse caso, com a sua visível e corporativa tolerância –, pouco seriam capazes de retirar e seriamente explorar social, politica e culturalmente das palavras do Papa.
O mundo restrito e simplista de slogans que decoram e repetem com algum conhecimento e toda a liberdade editorial, parece-lhes suficiente e, sobretudo, menos arriscado.
E, todavia, desde o que o Papa disse na Universidade Católica - mais diretamente, para os seus docentes e alunos - ao que explicou com grande simplicidade, mas não menor acuidade e clareza, nas homilias que fez para todos, muito de importante foi dito que deveria ser enfatizado e tomado como expressão da necessidade urgente e efetiva de mudanças na sociedade em que vivemos e que insistimos em manter inalterada e injusta.
Quando o Papa disse «todos, mas todos», referindo-se à indispensável comunhão e solidariedade entre os homens e mulheres da mais variadas condições e origens, quis dizer exatamente isso: todos.
Na verdade, para além do espetáculo sempre contagiante da alegria manifestada pelos participantes na JMJ, era, porventura, necessário sublinhar que o Papa referiu sempre que tal estado de espírito só tem sentido se mobilizado, em concreto e em geral, para resolver os problemas dos que, acreditando ou não na Igreja, não podem, hoje, partilhar dessa mesma manifestação de alegria, pois, na melhor das hipóteses, alguns – demasiados - apenas têm já força para sorrir.
Posso estar errado e já pouco otimista, mas temo que, desmontada a festa, para tristeza do Papa, pouco fique capaz de mudar, algo que seja, do atual mundo; um mundo já hoje sofredor dos efeitos da guerra global que, como o Papa vem alertando, violentamente, se aproxima, ante a cegueira e, no mínimo, a complacência de alguns importantes responsáveis políticos de fé católica.
Salvar todos – mas mesmo todos – dessa fatalidade deverá mobilizar a ação e a fraternidade dos jovens, homens e mulheres, a quem o Papa se dirigiu.
Se isso ainda for possível, valeu definitivamente a pena todo o empenho dos católicos e a solidariedade para com eles manifestada por todos os outros homens e mulheres que, acompanhando-os, se regozijaram com esta inolvidável festa da Igreja.