Alexei Navalny é o caso mais famoso de um adversário de Vladimir Putin envenenado. Mas três vítimas recentes confirmam: esse é um método habitual para intimidar e eliminar a oposição política na Rússia.
Segundo o site russo The Insider, o governo da Rússia estará envolvido no envenenamento recente de três importantes jornalistas russas, conhecidas pelo seu posicionamento abertamente anti-Kremlin, que estão exiladas no estrangeiro.
Natalia Arno, Elena Kostyuchenko e Irina Babloyan foram hospitalizadas por apresentar sintomas intrigantes e sem explicação.
Segundo uma análise divulgada a 15 de agosto, diversos especialistas — incluindo um médico famoso por ter salvado a vida do líder oposicionista Alexei Navalny, indicam "intoxicação exógena" como causa provável dos sintomas.
Esses são os mais recentes de uma série de atentados contra oposicionistas e críticos do Kremlin.
Há muito tempo que o veneno é a arma preferida dos serviços de segurança russos para silenciar dissidentes políticos notórios. Em alguns casos, há provas que apontam diretamente para Moscovo, enquanto outros casos continuam envoltos em mistério.
O Kremlin nega persistentemente qualquer envolvimento nestes casos.
2022: Abramovich
Em março de 2022, o oligarca russo Roman Abramovich, proprietário do clube de futebol inglês Chelsea FC, manifestou sintomas de intoxicação durante conversações de paz na fronteira entre Ucrânia e Belarus, tendo perdido temporariamente a visão.
Alguns dos negociadores ucranianos presentes nas conversações apresentaram igualmente vermelhidão dos olhos, lacrimejamento e problemas dermatológicos.
Segundo o grupo holandês de jornalismo de investigação Bellingcat, o atentado terá sido organizado por indivíduos ligados a uma linha dura em Moscovo, que apoia a guerra contra a Ucrânia, e ter-se-á tratado mais de uma advertência contra negociações de paz do que uma tentativa real de assassinato.
Na altura, diversos países ocidentais tinham imposto sanções a Abramovich pelas suas ligações estreitas com o Kremlin.
2020: Navalny
Durante um voo doméstico na Rússia, em agosto de 2020, o ativista anticorrupção Alexei Navalny ficou gravemente doente, tendo sido necessário fazer uma aterragem de emergência. Mais tarde, o opositor russo foi transferido para tratamento na Alemanha.
Diversos laboratórios independentes atestaram a presença no seu organismo de Novichok, substância neurotóxica originalmente desenvolvida na União Soviética nos anos 1970. É o agente nervoso de eleição dos serviços secretos russos.
O Kremlin rejeitou as acusações de atentado feitas por Navalny. O incidente deteriorou ainda mais as já tensas relações entre Rússia e Ocidente, desencadeando uma série de sanções contra autoridades russas.
Em dezembro de 2020, o jornal britânico The Times acusou o governo russo de uma segunda tentativa de assassinato contra o líder oposicionista, antes de Navalny ter sido levado para Berlim para continuar o tratamento.
Recuperado, Navalny regressou ao seu país no mês seguinte, tendo sido imediatamente preso.. Já condenado a nove anos de prisão, em agosto de 2023 sua pena foi acrescida de 19 anos, numa sentença amplamente considerada política, que o réu classificou como "estalinista".
2018: Skripal
Em março de 2018, o ex-agente duplo russo Sergei Skripal e filha Yulia foram envenenados com Novichok em Salisbury, Inglaterra. Ambos sobreviveram, graças a tratamento médico. Theresa May, então primeira-ministra britânica, condenou o atentado, atribuindo-o diretamente à Rússia.
Skripal tinha estado preso na Rússia por espionagem a favor de Londres. Além de, mais uma vez, ter negado qualquer envolvimento, o Kremlin acusou mesmo o Reino Unido de ter sido responsável pelo envenenamento.
O atentado suscitou condenação internacional, culminando em expulsões diplomáticas entre os dois Estados e uma campanha de sanções contra autoridades russas.
2006: Litvinenko
Crítico do presidente Vladimir Putin, o espião Alexander Litvinenko desertou em 2004 do serviço de inteligência russo, tendo procurado asilo em Londres.
Em novembro de 2006, depois de tomar chá com outros dois ex-espiões num hotel do centro da capital britânica, Litvinenko adoeceu, tendo morrido três semanas mais tarde.
No seu corpo foram encontrados vestígios de polônio-210, metal volátil altamente letal. Um micrograma da substância é suficiente para matar um adulto.
Investigações às causas da morte do ex-espião, realizadas pelo Reino Unido e pela União Europeia, apontaram para Andrei Lugovoi, um dos companheiros de chá da vítima, como principal suspeito — com "provável" sinal verde de Putin.
O Kremlin negou implicação no crime e recusou-se a extraditar Lugovoi. O incidente escalou as tensões russo-britânicas, resultando na expulsão de diplomatas de ambos os países em 2007.
2004 Yushchenko
Em 2004, o candidato pró-europeu à presidência da Ucrânia, Viktor Yushchenko, foi envenenado com dioxina durante a sua campanha eleitoral. O candidato obreviveu, mas ficou permanentemente desfigurado por cicatrizes e manchas no rosto.
O seu adversário, o pró-russo Viktor Yanukovych, acabou por vencer as eleições, mas acusações de fraude resultaram numa série de protestos — que viria a ficar conhecida como a Revolução Laranja.
O Supremo Tribunal ucraniano anulou as eleições, tendo decretado a sua repetição — de que resultaria a eleição de Yushchenko como presidente.
É já longo o histórico de casos de espiões, governantes, opositores e ex-aliados que morrem com doenças súbitas atribuídas a envenenamento — um histórico ainda mais longo do que o dos casos de oligarcas, cientistas ou médicos que morrem misteriosamente após caírem de janelas ou escadas.
ZAP // Deutsche Welle