Pode matar-se Navalny, mas não se pode matar a sua ideia imortal - Triplov INFO

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terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Pode matar-se Navalny, mas não se pode matar a sua ideia imortal

A morte de Alexei Navalnyé uma coroa de perguntas como espinhos na cabeça.

A notícia da morte de Alexei Anatolyevich Navalny, líder incontendível da oposição russa a Vladimir Putin, advogado, ativista anticorrupção e o preso político mais famoso talvez desde Alexander Solzhenitsyn, nos anos 1950, é estropiada e imprestável. 


Metade das seis perguntas fundamentais — quem, o quê, quando, onde, como e porquê? — não estão ainda respondidas e as que estão não satisfazem o desejo do sério e sóbrio do contraditório e da completude da notícia. 

Sabemos apenas que Navalny, que tinha 47 anos e estava preso por "extremismo" na colónia corretiva do Círculo Polar Ártico Autónomo de Yamalo-Nenets, na Sibéria, Rússia, "morreu de morte súbita" na sexta-feira de 16 de fevereiro de 2024, como reportaram os serviços prisionais russos. E nada mais. 


Três dias inteiros depois, com uma coroa de perguntas como espinhos na cabeça, a sua viúva, Yulia Navalnaya, ainda não viu o corpo. Nem a sua mãe, Lyudmila Navalnaya. Nem os seus filhos, Dasha e Zakhar. Nem ninguém.

Foi Putin que o matou, diz Yulia, prometendo que a esperança de Navalny na "bela Rússia do futuro" não é coisa que se possa exterminar.


E enquanto as autoridades russas prolongam a investigação, tentam, como chacais, retardar a sua conclusão, crescem os clamores de choque e indignação, que se prolongam até na reação de Donald Trump, ex-presidente dos EUA e putativo candidato a novo cargo nas eleições de novembro deste ano, que tenta transmutar a morte de Navalny num ignóbil comentário sobre o estado da Justiça no seu país.

Ininterruptamente no poder desde 1999, Vladimir Putin, de 71 anos, comanda um império proeminente em mortes ocorridas em circunstâncias estranhas ou por esclarecer, mas dali, nada devemos, diz a História de factos recente, esperar de decência ou virtude.


Com a transtornada realidade transformada numa malíssima ficção de corte "gore", assistimos, atónitos e mancamente, totalmente impotentes, às notícias repelentes sem conclusão. 

Mas é nossa incumbência cívica exigir tudo para saber, tudo fazer, tudo ler, ver tudo o que for possível ver sobre a história de Alexei Anatolyevich Navalny —incluindo o documentário "Navalny", que ganhou um Oscar em 2022, disponível na HBO, que adquire, porque é elegante, inteligente e quase indecentemente entretido, uma ressonância tão colossal que é capaz de aterrorizar.


Ao ter-se transformado pela morte em mito, Alexei Anatolyevich Navalny ganhou o maciço peso inextinguível das ideias — e uma ideia não é coisa que se possa simplesmente cegar como um prado ou um animal porque uma ideia é um corpo imortal.  


José Miguel Gaspar - JN - Pode matar-se Navalny, mas não se pode matar a sua ideia imortal (jn.pt)