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quarta-feira, 14 de junho de 2023

Notícias: "Nós Somos Igreja Portugal"

Católicos de Lisboa escrevem ao Vaticano para traçar perfil do próximo patriarca António Marujo | 28 Mai 2023 //// SONHOS DO UNIVERSALISMO CRISTÃO Frei Bento Domingues, Público 28.05.2023 /// O diabo: possessões diabólicas e exorcismos Anselmo Borges Diário de Notícias 27 Maio 2023




Católicos de Lisboa escrevem ao Vaticano para traçar perfil do próximo patriarca

António Marujo | 28 Mai 2023

manuel clemente se de lisboa foto patriarcado de lisboa

Manuel Clemente faz 75 anos já este ano. Aqui, preside a uma celebração na Sé de Lisboa. Foto © Patriarcado de lisboa

 

Um bispo que seja "uma voz profética", que "promova uma Igreja sinodal", que "saiba escutar e dialogar", que seja "um homem de comunhão", que tenha "capacidade de governar, usando de criatividade pastoral" e que "seja um homem prudente e de coragem". Estes são alguns dos pontos que um grupo de católicos da área do patriarcado de Lisboa apontam como necessários ao futuro patriarca de Lisboa, e que sugerem num documento que foi enviado ao Dicastério para os Bispos (DB), no Vaticano, e ao núncio apostólico (representante da Santa Sé), em Lisboa.

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SONHOS DO UNIVERSALISMO CRISTÃO

Frei Bento Domingues, O.P.

 

1. Podemos chamar etiologias míticas às narrativas que tentam explicar a origem de certas crenças, costumes, rituais, memórias, acontecimentos e monumentos que escapam à evidência racional. A Torre de Babel, de que fala a Bíblia (Génesis 11, 1-9), situa-se nesse universo mítico. As dificuldades que a multiplicidade das línguas nos causa seria um castigo divino.

O melhor é começar por ler essa célebre narrativa: «Em toda a Terra, havia somente uma língua e empregavam-se as mesmas palavras. Emigrando do oriente, os homens encontraram uma planície na terra de Chinear e nela se fixaram. Disseram uns para os outros: vamos fazer tijolos e cozamo-los ao fogo. Utilizaram o tijolo em vez da pedra e o betume serviu-lhes de argamassa. Depois disseram: vamos construir uma cidade e uma torre, cujo cimo atinja os céus. Assim, havemos de nos tornar famosos e evitamos que nos dispersemos por toda a superfície da Terra».

Ficamos com a ideia de que Deus ficou assustado com esta ousadia dos seres humanos que ambicionavam transformar-se em seus rivais.

«O Senhor reagiu: Eles constituem apenas um povo e falam uma única língua. Se principiaram desta maneira, coisa nenhuma os impedirá, de futuro, em realizarem todos os seus projectos. Vamos, pois, descer e confundir de tal modo a sua linguagem que não consigam compreender-se uns aos outros.

«E o Senhor dispersou-os dali por toda a superfície da Terra e suspenderam a construção da cidade. Por isso, foi-lhe dado o nome de Babel, visto ter sido lá que o Senhor confundiu a linguagem de todos os habitantes da Terra e foi também dali que o Senhor os dispersou».

Este mito etiológico não vem apenas na Bíblia. Esta recebe-o da cultura ambiente. Tem paralelos sumério e assírio, greco-romano e outras tradições antigas[1]. Está colado à experiência humana muito dolorosa de querer comunicar com outros seres humanos e não conseguir por causa de línguas diferentes.

Vendo bem, o que parece assustar a Deus é a destruição da diversidade humana: não aceita uma só língua para todos os povos. É uma apologia da diversidade e do apreço por todas as diferenças culturais. A tendência para a uniformidade é imperialista, totalitária, elimina a diferença em favor do mais forte, do mais poderoso.

Já me referi, várias vezes, a um texto exemplar de J. P. Audet, um grande exegeta, no qual sustenta que, na Bíblia, não existe o equivalente do mito de Prometeu tal como este vem apresentado em Hesíodo e Ésquilo.

Nesse mito, os deuses escondem aos seres humanos o segredo da vida feliz. Aquilo que os seres humanos precisam para fazer a sua vida, por sua conta e risco, o fogo (ciências e técnicas), tem de ser arrancado aos deuses contra a sua vontade, como o fez Prometeu. Deuses e seres humanos são rivais. A felicidade dos deuses é a desgraça dos seres humanos e a felicidade dos seres humanos é uma usurpação aos deuses. Nada disto na Bíblia. Aí, a terra é dada ao homem e à mulher para que a dominem e façam dela a sua morada.

A pastorícia, a agricultura, a música, as técnicas, os negócios, as ciências e a sabedoria não são roubos a Deus. São acontecimentos normalíssimos, embora não assim o trabalho escravizante, fruto de um ser humano que se desorienta e desorienta a vida toda, que se perde do seu irmão e perde o seu irmão[2].

2. Estamos a celebrar a festa cristã do Pentecostes. Conheci muito bem uma leitura que contrapunha radicalmente o mito de Babel ao Pentecostes cristão. Era só este o defensor da diversidade. Na leitura que acabei de fazer, este contraste fica muito atenuado.

O Pentecostes cristão inscreve-se numa tradição judaica, numa festa agrícola, na qual, é celebrada a entrega dos Dez Mandamentos no Monte Sinai (a Lei), 50 dias depois do Êxodo.

Para S. Lucas, os Actos dos Apóstolos são a primeira história da Igreja. É o próprio Lucas que o conta.

«No meu primeiro livro, ó Teófilo, narrei as obras e os ensinamentos de Jesus, desde o princípio até ao dia em que, depois de ter dado, pelo Espírito Santo, as suas instruções aos Apóstolos que escolhera, foi arrebatado ao Céu»[3].

«Quando chegou o dia do Pentecostes, encontravam-se todos reunidos no mesmo lugar. De repente, ressoou, vindo do céu, um som comparável ao de forte rajada de vento, que encheu toda a casa onde eles se encontravam. Viram então aparecer umas línguas, à maneira de fogo, que se iam dividindo, e poisou uma sobre cada um deles.

«Ficaram todos cheios do Espírito Santo e começaram a falar outras línguas, conforme o Espírito lhes inspirava que se exprimissem. Ora, residiam em Jerusalém judeus piedosos provenientes de todas as nações que há debaixo do céu. Ao ouvir aquele ruído, a multidão reuniu-se e ficou estupefacta, pois cada um os ouvia falar na sua própria língua. Atónitos e maravilhados, diziam: Mas esses que estão a falar não são todos galileus? Que se passa então, para que cada um de nós os oiça falar na nossa língua materna? (…) Ouvimo-los anunciar, nas nossas línguas, as maravilhas de Deus!

«Estavam todos assombrados e, sem saber o que pensar, diziam uns aos outros: Que significa isto? Outros, por sua vez, diziam, troçando: Estão cheios de vinho doce.

«De pé, com os Onze, Pedro ergueu a voz e dirigiu-lhes então estas palavras: Homens da Judeia e todos vós que residis em Jerusalém, ficai sabendo isto e prestai atenção às minhas palavras. Não, estes homens não estão embriagados como imaginais, pois, apenas vamos na terceira hora do dia. Mas tudo isto é a realização do que disse o profeta Joel: Nos últimos dias, diz o Senhor, derramarei o meu Espírito sobre toda a criatura. Os vossos filhos e as vossas filhas hão-de profetizar; os vossos jovens terão visões e os vossos velhos terão sonhos»[4].

Sem a subversão da festa judaica do Pentecostes – da Lei do Sinai – não haveria a festa aberta a todos os povos de todas as línguas e culturas. É o anúncio da única globalização desejável, a do Espírito que tudo fecunda, sem nada apagar.

3. O Evangelho de S. João, ao terminar, adverte: «Jesus realizou muitos outros sinais na presença dos discípulos, que não estão escritos neste livro. Mas estas coisas foram escritas para que acrediteis que Jesus é o Cristo, o filho de Deus e, para que, acreditando, tenhais vida em nome dele».

Este Evangelho concentrou tudo no dia de Páscoa: «Ao entardecer no mesmo dia, primeiro da semana, e estando as portas trancadas onde estavam os discípulos devido ao medo dos judeus, veio Jesus e pôs-se de pé no meio deles e diz-lhes: Paz para vós. E dizendo isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos alegraram-se ao verem o Senhor. Jesus falou-lhes de novo: Paz para vós. Tal como o Pai me enviou, eu envio-vos a vós. E dizendo isto, soprou e diz-lhes: Recebei o Espírito Santo».

O seu Pentecostes deve tornar-se a missão da Igreja entre todos os povos, de todos os tempos. É o sonho do universalismo cristão!

 

 

28 Maio 2023

[1] Cf. Wikipédia

[2] Cf. J. P. Audet, La revanche de Promété ou le drama de la religion et de la culture, Rev. Biblique, 73 (1964) 5-29

[3] Act 1, 1-2

[4] Act 2, 1-17




O diabo: possessões diabólicas e exorcismos

Anselmo Borges

Diário de Notícias 27 Maio 2023 

Há um católico, que pessoalmente não conheço, mas muito preocupado com os dogmas e que frequentemente me consulta sobre eles. Telefonou-me recentemente a perguntar: "Como cristãos podemos e devemos odiar o diabo? É que Jesus disse que devemos amar os inimigos..." Disse-lhe que o problema não se põe, pois o diabo não existe. Ele: "Mas está na Bíblia...".

Dado o interesse que o diabo desencadeia -- reuniram-se ainda há pouco tempo em Roma 241 alunos, vindos de 42 países, para um curso para futuros "expulsadores de demónios" --, volto ao tema, retomando, porque facilita a reflexão, uma conversa que tive há anos na televisão com a jornalista Fátima Lopes. Uma reflexão sobre o diabo, as possessões diabólicas, demoníacas, e os exorcismos.

Fica aí o essencial da conversa, prevenindo que nem sempre será literal.

Antes de mais, vamos começar por explicar às pessoas o que é isto do exorcismo.

Comecemos por aí.

O exorcismo parte do princípio de que há diabo e que o diabo, por vezes, se mete dentro de uma pessoa.

Atormenta as pessoas.

Não atormenta só. Mete-se mesmo dentro de uma pessoa e então vem o padre, e só pode ser um padre que esteja nomeado pelo bispo da diocese para isso, para expulsar, tirar o diabo de dentro da pessoa.

Dito isto, se me pergunta se eu acredito nisso, não, não acredito.
Mas não acredita que o diabo possa entrar para dentro da pessoa ou não acredita no próprio diabo?

Eu não acredito no diabo. O diabo é o contrário de símbolo, que significa reunião, coincidência (por exemplo, uma aliança no dedo de alguém remete para outra aliança no dedo de outra pessoa, o que significa que há entre elas uma união). A palavra diabo também vem do grego, diábolos, que significa aquele que separa, que dispersa, que desune, que traz zaragatas e problemas à vida. Se me pergunta se há diabo, eu não acredito. Aliás, o diabo não está no Credo, no Credo cristão. Jesus não pregou o diabo, Jesus pregou o Reino de Deus, o Evangelho, o Mistério último, que é Deus enquanto Pai/Mãe. O Evangelho é uma notícia boa, como diz a própria palavra, e felicitante, que traz alegria, felicidade, às pessoas. Há alguma notícia mais felicitante do que esta? Deus gosta de todas as pessoas, Deus gosta de si, de mim, foi isto que Jesus veio dizer. Deus ama-nos, ama todos os homens e mulheres, independentemente da sua condição, independentemente de se ser católico ou não, ama os ateus, ama-nos enquanto filhos e filhas, porque Ele é um Pai/Mãe querido e bom. Deus não nos criou para a sua maior honra e glória, não, Deus criou-nos por causa de nós, porque é amor e quer a nossa felicidade. Esta é uma notícia boa e felicitante, o Evangelho de Jesus.

Concordo plenamente consigo. Mas como, se na Igreja Católica, se fala às vezes, não todos, mas há quem fale, desta figura do diabo? É uma coisa extremamente intimidante; a figura do diabo põe-nos em sentido!

Claro. Veja, não é por acaso que o diabo até tem tantos nomes: é o Diabo, é o Satanás, é o Belzebu, é o Mafarrico, é o Lúcifer e, frequentemente, aquilo que eu noto é que há pessoas que não acreditam em Deus, mas acreditam no diabo. Eu assisti uma vez a um debate na Alemanha -- eu era muito amigo do maior biblista do século XX, católico, professor na Universidade de Tubinga, Herbert Haag, e também conheci pessoalmente um dos maiores filósofos do século XX, alemão também, Ernst Bloch, ateu. Eles tiveram uma vez um debate e veja: o padre a dizer que não havia diabo e o ateu a dizer que havia diabo. Já viu?

Fico baralhada!

É uma baralhada, é! Porque há muitas pessoas que não acreditam em Deus, no Deus de Jesus, por culpa também, às vezes, da Igreja e dos padres, que, em vez de pregarem o Evangelho, esta notícia boa e felicitante, em vez de pregarem o Evangelho, pregam o Disangelho, que é uma notícia má, uma notícia que não traz alegria e felicidade, mas traz medo. E muitas vezes prega-se o diabo por causa do medo; é que, se as pessoas tiverem medo, é mais fácil exercer o poder sobre elas e controlá-las. Ora, é preciso dizer a verdade: Jesus não pregou o diabo, pregou o Reino de Deus, a alegria do Evangelho.

Mas agora diga-me uma coisa, pois não podemos perder de vista este tema do exorcismo. O que me está a querer dizer é que, quando alguém, por exemplo, diz: eu tenho que chamar aqui um padre habilitado para fazer um exorcismo porque esta pessoa está possuída, porque esta pessoa está o que for, isto não faz sentido. Então, o que se passa com essa pessoa que tem comportamentos estranhos, desajustados, alucinações às vezes, coisas esquisitas? Se não é o diabo, é o quê?

Jesus ajudou as pessoas e é isso que a Igreja e os padres e todos devemos fazer: ajudar as pessoas e ajudá-las com os meios que nós temos.

Foi isso que Jesus pediu, não pediu outra coisa...

Exacto. Se Deus é amor, ama-nos, gosta de nós, devemos gostar de nós e uns dos outros, é isso, e ajudarmo-nos. De facto, muitas vezes, na altura, atribuía-se ao diabo doenças, depressões, que nós hoje sabemos que são do foro psicológico ou psiquiátrico e, portanto, devemos ajudar as pessoas mandando-as ao médico, mandando-as ao psiquiatra. É isso que é preciso fazer. Não se pode de modo nenhum continuar a atribuir ao diabo aquilo que efectivamente é de outra ordem. Nós hoje, felizmente, sabemos mais da mente, sabemos mais do cérebro...


Padre e professor de Filosofia.
Escreve de acordo com a antiga ortografia

https://www.dn.pt/opiniao/o-diabo-possessoes-diabolicas-e-exorcismos-16422815.html