Talvez todos ganhássemos em discutir um pouco menos as questões militares e em preocuparmo-nos mais com as novas realidades políticas, com os novos equilíbrios mundiais que alguns nos querem impor.
Desde Fevereiro de 2022 que cada um de nós foi abalroado pela miséria, pelas misérias, da guerra.
É matar uma segunda vez os que morreram em Auschwitz ou no Gulag e é esquecer que sem a Normandia, esta e outras afirmações de liberdade porventura não existiriam. Talvez só haja uma guerra!
Na televisão, nos jornais, na conversa com os amigos, a guerra tornou-se omnipresente e a invasão da Ucrânia tema dominante.
E assim estávamos quando aconteceu o massacre de 7 de Outubro. Outra guerra passou a entrar todos os dias nas nossas casas, imagens dilacerantes e relatos pungentes deixaram o mais insensível dos cidadãos em estado de choque.
O que é muito surpreendente é que parece que as nossas televisões não são capazes de nos dar notícias de duas guerras ao mesmo tempo. O surgimento de uma fez desaparecer a outra, os comentadores da primeira mudaram-se para o comentário à mais recente, sendo que, a manter-se este ritmo, corremos o risco de nos tornarmos especialistas em vários tipos de armamento e conhecedores dos mais recentes desenvolvimentos tecnológicos no domínio militar.
Não deixa de ser curioso que quando mais se fala nas dificuldades das nossas Forças Armadas é quando o país se familiariza com mais oficiais-generais das mais diversas especialidades.
É verdade que não há guerras sem forças armadas, mas não o é menos que não são as forças armadas a escolher o inimigo, as causas a afirmar ou a intensidade da ofensiva.
Assim como não são as forças armadas a fazer a paz.
Aqui chegados, pergunto-me cada vez mais se não temos todos andado "entretidos" com guerra a mais e política a menos.
Pergunto-me mesmo se as duas guerras que neste tempo nos invadem o quotidiano são de facto duas, ou são apenas duas faces de uma mesma guerra.
Indo um pouco mais longe, atrevo-me a perguntar se o verdadeiro inimigo não é, em ambos os casos, o mesmo: a democracia liberal; a liberdade individual; a igualdade; a dignidade da pessoa humana, tal como a concebemos há mais de dois séculos.
Talvez todos ganhássemos em discutir um pouco menos as questões militares e em preocuparmo-nos mais com as novas realidades políticas, com os novos equilíbrios mundiais que alguns nos querem impor, e em compreender que há hoje um discurso na vida internacional que os homens livres não só não podem aceitar como têm a obrigação de combater. Aceitar o discurso de que cada país "escolhe" como quer viver e que isso é inquestionável equivale à negação do papel que a Europa, primeiro, e, depois, também os EUA, sempre escolheram para si próprios.