Pascal: o Homem e Deu ¨s Anselmo Borges Diário de Notícias 09 Dezembro 2023 /// SERÁ POSSÍVEL MUDAR? Frei Bento Domingues, Público 10.12.2023 - Triplov INFO

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segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Pascal: o Homem e Deu ¨s Anselmo Borges Diário de Notícias 09 Dezembro 2023 /// SERÁ POSSÍVEL MUDAR? Frei Bento Domingues, Público 10.12.2023

Pascal: o Homem e Deu

¨s

Anselmo Borges

Diário de Notícias 09 Dezembro 2023 


Quando me perguntam sobre os livros da minha vida, respondo: a Bíblia, a obra de Immanuel Kant, a obra de Hans Küng e Pensamentos de Pascal.

Pascal nasceu em Junho de 1623, portanto, há 400 anos. Neste quarto centenário, fica aí uma modesta homenagem ao matemático, um dos maiores de sempre, mas também a um dos maiores cristãos europeus de sempre, lembrando alguns pensamentos de Pensamentos e outros textos e a sua busca de Deus. Ousei, servindo-me, com arranjos, da tradução de Denis da Luz e Miguel Serras Pereira, uma brevíssima antologia em três momentos.

1. Grandeza e miséria, divertimento, busca de Deus

"O pensamento faz a grandeza do homem." "É tão visível a grandeza do homem que até provém da sua miséria. Até as misérias provam a sua grandeza. São misérias de grande senhor, misérias de rei sem trono." "A grandeza do homem é grande em conhecer-se ele como miserável." "O homem conhece que é miserável. É portanto miserável uma vez que o é, mas é deveras grande uma vez que o conhece."

"O que é um homem no infinito?" "O silêncio eterno destes espaços infinitos apavora-me." "O homem não é mais do que uma cana, a mais fraca da natureza, mas é uma cana pensante. Não é necessário que o universo inteiro se arme para o esmagar: um vapor, uma gota de água bastam para o matar. Mas ainda que o universo o esmagasse, o homem continuaria a ser mais nobre do que aquilo que o mata, pois sabe que morre e a vantagem que o universo tem sobre ele; o universo nada sabe. Toda a nossa dignidade consiste, pois, no pensamento. Esforcemo-nos, pois, por pensar bem: eis o princípio da moral."

"O homem é visivelmente feito para pensar. Nisto consiste toda a sua dignidade e o seu mérito. E o seu dever é pensar como se deve. Ora bem: a ordem do pensamento está em começar cada qual a pensar em si próprio, no seu autor e no seu fim. E em que se pensa afinal? Em tudo menos nisso.

"Descobri que toda a infelicidade dos homens vem de uma só coisa: não saberem estar sossegados num quarto." O que procuram é "a agitação que nos desvia de pensar na nossa condição e nos diverte." "Por isso amam tanto os homens o ruído e o bulício; por isso o amor da solidão é coisa tão incompreensível. E, em suma, pode dizer-se que o maior motivo de felicidade da condição dos reis consiste em terem quem continuamente procure diverti-los e proporcionar-lhes prazeres." "É uma coisa deplorável vermos todos os homens deliberarem apenas sobre os meios e não sobre os fins." "A única coisa que nos consola das nossas misérias é o divertimento. E, no entanto, é essa a maior das nossas misérias. Porque isso é o que nos impede principalmente de pensarmos em nós e que nos faz perdermo-nos insensivelmente." "O último acto é sangrento por mais bela que em tudo o resto seja a comédia. Deita-se por fim terra sobre a cabeça e está acabado para sempre." "O comum dos homens põe o bem na fortuna e nos bens do exterior, ou pelo menos no divertimento." Ah! E a vaidade: "A vaidade está tão ancorada no coração do homem que um soldado, um servente de pedreiro, um cozinheiro, um carregador se gabam do que são e querem ter os seus admiradores. E os próprios filósofos o querem, e os que escrevem contra isso querem ter a glória de terem escrito bem, e aqueles que os lêem querem ter a glória de os terem lido, e eu que escrevo talvez tenha esse desejo, e talvez os que o lerem..."

"Não tendo podido curar a morte, a miséria, a ignorância, os homens tomaram, para serem felizes, o partido de não pensar nelas. Apesar destas misérias, o homem quer ser feliz e não quer senão ser feliz, e não pode não querer sê-lo. Mas como fará para obter isso? Para o conseguir teria de se tornar imortal, mas não o podendo ser, tomou o partido de deixar de pensar nisso."

Que caminho seguir? "Vendo a cegueira e a miséria do homem, olhando todo o universo mudo e o homem sem luz abandonado a si mesmo, e como que perdido neste recanto do universo sem saber quem aqui o pôs, o que veio cá fazer, aquilo em que se tornará ao morrer, incapaz de qualquer conhecimento, entro em pânico como um homem que tivessem transportado adormecido para uma ilha deserta e assustadora e que despertasse sem conhecer onde está e sem meio de sair dela. E depois disso admiro-me como não entramos em desespero por tão miserável estado. Vejo outras pessoas junto a mim de uma natureza semelhante. Pergunto-lhes se estão mais bem instruídas do que eu. Dizem-me que não, e, dito isto, esses miseráveis extraviados tendo olhado em seu redor e visto alguns objectos aprazíveis, a eles se entregaram e apegaram. Quanto a mim, não pude apegar-me a nada e, considerando quanta manifestação há de outra coisa mais do que aquilo que vejo, procurei descobrir se Deus não teria deixado algum sinal de si." "Se o homem não é feito para Deus, porque não é feliz senão em Deus? Se o homem é feito para Deus, porque é tão contrário a Deus?"

"Há apenas três espécies de pessoas: umas que servem Deus tendo-o encontrado, outras que se dedicam a buscá-lo, não o tendo encontrado, outras que vivem sem o buscar nem o encontrar. As primeiras são sensatas e felizes, as últimas são loucas e infelizes, as do meio são infelizes e sensatas." "A verdadeira natureza do homem, o seu verdadeiro bem, a verdadeira virtude e a verdadeira religião são coisas cujo conhecimento é inseparável."

Padre e professor de Filosofia.

https://www.dn.pt/opiniao/pascal-o-homem-e-deus--17472628.html

 



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SERÁ POSSÍVEL MUDAR?

Frei Bento Domingues, O.P.

 

1.  Dado o pressuposto católico do destino universal dos bens deste mundo, somos obrigados a perguntar: serão possíveis mudanças de benefício para todos?  É urgente esta pergunta no começo deste Advento marcado pela persistência do terrorismo, da destruição, da miséria e da repetição ineficaz dos apelos à paz.  São muitas as pessoas a confessar o seu desalento e os habituais "profetas da desgraça" continuam a repetir que todas as tentativas de mudança acabam quase sempre em fracasso.

Há precisamente 75 anos (10.12.1948) que foram proclamados os Direitos Humanos. Muitos dizem: foram proclamados, mas não foram nem são respeitados. Essa conclusão rotunda esquece o que já foi e está a ser conseguido. É verdade que o espectáculo do mundo, das guerras, da exploração e tráfico de pessoas pode levar-nos, precisamente, ao desânimo, mas também pode despertar novos grupos e movimentos de esperança activa.

 No dia em que chegássemos à conclusão de que nada vale a pena, é porque tínhamos desesperado de sermos humanos e desesperado de sermos cristãos. O que confessamos todos os Domingos é que, embora tenhamos falhado em muita coisa, não desistimos de viver e lutar por mais alegria na vida. Cada Domingo pode significar uma ressurreição de seres limitados e pecadores que nós somos. Isto também significa que não aceitamos derrotas definitivas.

Neste Domingo, celebramos algo de extraordinário. S. Marcos refere um acontecimento impressionante. Jesus de Nazaré, filho de um carpinteiro, abandonou essa profissão familiar na procura de um caminho para a transformação do mundo que conhecia, mundo de judeus de muitas tendências e de pagãos do Império Romano. Nas suas buscas, encontrou-se com o movimento do extraordinário João Baptista que proclamava que era preciso mudar radicalmente e pedia aos seus seguidores, em sinal dessa vontade de mudança, que consentissem em ser baptizados no rio Jordão, a sede desse amargo movimento.

Este encontro deve ter sido mesmo real porque vem narrado, de formas diferentes é certo, pelos quatro evangelistas e com testemunhas nos Actos dos Apóstolos. S. Marcos é muito sóbrio e vai directo ao essencial. Jesus, tendo entrado nesse movimento, foi baptizado como muitos outros. Mas S. Marcos sublinha que Ele, ao sair da água, viu os céus abertos e o Espírito, como uma pomba, descer sobre ele. Uma voz do céu declarou: Tu és o meu Filho amado, em ti me reconheço.

Esta experiência mística mostra-lhe a insuficiência do movimento religioso e moral do seu mestre João Baptista e é tão forte essa experiência que o impele a um caminho diferente, novo. A raiz da mudança é o próprio Espírito de Deus. Larga tudo e passa quarenta dias de retiro no deserto. Aí, começam outros problemas. Dizem os evangelistas que foi tentado pelo diabo, com expressões do antigo messianismo que o desviavam do seu novo caminho, isto é, tentado pelo poder económico, pelo poder político e pelo poder religioso para formar o seu reino e o reino dos discípulos.

Ele venceu radicalmente essas tentações. Os discípulos que convocou estavam tão imbuídos do messianismo que Ele rejeitava, que não viram, no apelo de Jesus, a novidade que Ele representava. Viram apenas uma oportunidade fantástica de serem os ministros do reino que ambicionavam.

2. Hoje, na Igreja Católica, pratica-se legitimamente o baptismo de crianças e de adultos. O de adultos pressupõe a conversão a Jesus e ao seu projecto de mudança universal. O das crianças deu origem a muitas confusões que alimentaram, na Cristandade, uma desvalorização da condição humana amada de Deus, antes de qualquer baptismo. Pode, no entanto, ter uma interpretação muito bela. Deus não espera que sejamos capazes de O reconhecer e amar para gostar de nós, todos, absolutamente todos, baptizados ou não. O amor de Deus é sem motivo e anterior ao nosso reconhecimento. Ama-nos porque Ele é amor, como diz S. João.

É normal que os pais, verdadeiramente cristãos, desejem para os filhos o que têm de melhor, o reconhecimento de sermos amados, desde sempre e para sempre. Quando se incriminam os pais que baptizam os seus filhos sem o consentimento deles, também deviam ser incriminados por os alimentar desde que nascem, cuidarem da sua higiene e inscrevê-los na escola. Quando as crianças são baptizadas só para cumprirem um costume local ou familiar, sem compromisso de os ajudarem a descobrir e a viver do Espírito de Cristo, atraiçoam a verdade do baptismo das crianças. As crianças baptizadas devem ser educadas a desenvolver todas as suas capacidades, a encontrarem um caminho de realização, não para vencerem na vida, não para serem pessoas dominadas pela vontade de poder económico, político ou religioso, mas para se tornarem cada vez mais competentes para servir os que mais precisam de ajuda e para contribuírem com uma nova economia e uma nova política e uma fé capaz de vencer todos os obstáculos.

3. Contra todo o derrotismo, este tempo testemunha, com a eleição do Papa Francisco, que é possível mudar. Ele acredita na Alegria do Evangelho como oferta divina a todos os seres humanos, crentes e não crentes, a todos. É essa mudança para o reino da alegria que ele procura viver e testemunhar, dentro e fora da Igreja. Ele já aprendeu e testemunhou, perante a Igreja e o mundo, como é difícil trabalhar pela mudança, dadas as resistências e as traições que é preciso enfrentar. O importante é não desistir. Podemos não ver os frutos de todos esses trabalhos, pela justiça, pela paz e pela integridade da criação, mas o que é realizado nessa direcção ficará sempre como testemunhos a desafiar o futuro e a ser retomados pelas novas gerações.

Neste sentido, não podemos considerar inúteis textos como o que assinou com o Grão Imame de Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyeb, em Abu Dabby (2019), o grande Documento sobre a Fraternidade Humana em prol da Paz Mundial e da convivência comum. Este texto parece que serviu de ensaio para a marcante Encíclica Fratelli Tutti (2020). O que sempre procura é semear esperança, para que não se desista de sonharmos juntos e trabalharmos para um futuro melhor. Francisco ficará sempre como o Papa que não finge que sabe tudo, que não recorre à chamada infabilidade pontifícia para enfrentar os grandes problemas da humanidade e da Igreja Católica. Ele próprio explicou como convoca cientistas, filósofos e teólogos para indicar os caminhos a percorrer. E não só. O método escolhido para a preparação e realização do sínodo mostra que precisa de todos, mulheres e homens, jovens e adultos, seguindo o bom princípio: o que a todos diz respeito, deve ser tratado por todos.

O Papa Francisco não é eterno e os cínicos continuarão a dizer: vai morrer e nem o mundo nem a Igreja mudaram como ele desejava. Isso significa apenas que dos cínicos não podemos esperar nada. Pertence às novas gerações tornarem-se cada vez mais competentes e mais generosas. É de pessoas que vivem para servir e não para dominar que o presente e o futuro precisam. Esse caminho não engana.

 

 

10 Novembro 2023



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