O jardim que já não é mais: sábado 25 de maio, 16:00 Largo da Cruz, frente ao Conde Ferreira - Triplov INFO

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quinta-feira, 23 de maio de 2024

O jardim que já não é mais: sábado 25 de maio, 16:00 Largo da Cruz, frente ao Conde Ferreira

No Dia Nacional dos Jardins (25 de maio), comemorado em 2024 pela segunda vez depois da sua criação em 2003 pela Assembleia da República, a Campo Aberto - associação de defesa do ambiente considera que  a  Câmara Municipal do Porto deve uma explicação aos munícipes relativa à sequência de decisões que foram tomadas ao longo das últimas décadas e que agora culminam na mutilação do espaço verde existente entre a Rua de Diogo Cão e a Rua de Contumil, no Porto. Deve também tornar públicos os planos para a área verde remanescente, incluindo um cronograma que identifique quando ficará disponível para usufruto pelo público. 

Essas são algumas das reivindicações contidas no comunicado «O Jardim que já não é mais» (em anexo; também adiante ou em https://www.campoaberto.pt/2024/05/22/o-jardim-que-ja-nao-e-mais-dia-nacional-dos-jardins/), no qual a Campo Aberto apela à Câmara Municipal do Porto para que imprima uma nova orientação ao urbanismo da cidade, de modo a estar à altura dos desafios que uma época de acelerado aquecimento global e de perda de biodiversidade exige.

Campo Aberto - associação de defesa do ambiente
www.campoaberto.pt

Segue-se o comunicado:

QUANDO SE COMEMORA O DIA NACIONAL DOS JARDINS
— O CASO DO JARDIM QUE JÁ NÃO É MAIS

 

Comemora-se em 25 de maio o Dia Nacional dos Jardins, celebrado na data do nascimento do Arquiteto Paisagista Gonçalo Ribeiro Teles (1922-2020). Este dia devia servir para relembrar a necessidade de aumentar e re-naturalizar as manchas verdes urbanas, fomentando a sua biodiversidade, e assumindo a preservação destes espaços e dos ecossistemas associados como um verdadeiro interesse público.

De facto, trazem consigo grandes benefícios, com relevo para a mitigação do efeito «ilha de calor» nas cidades, do ruído e poluição atmosférica, funcionando como filtro e/ou barreira, e das, cada vez mais frequentes, épocas de seca, sem esquecer os benefícios que trazem para a saúde física e mental de todos. Por outro lado, através dos solos permeáveis que preservam e da criação de novos habitats para a flora herbácea e fauna que incentivam, criam uma proteção suplementar nos períodos de chuvas intensas e inundações, ampliando assim o «efeito de esponja» e de barreira à erosão do solo.

Espaços verdes formais e espaços verdes «reais»

Infelizmente, os espaços verdes urbanos protegidos pelos Planos Diretores Municipais constituem, frequentemente, apenas uma fração minoritária das manchas verdes ainda existentes. Tais espaços enfermam ainda do facto de estarem distribuídos de modo desigual pelos municípios, tornando pequenas manchas verdes, que ainda vão resistindo apesar da sua desproteção, em locais verdes informais, únicos em certas zonas. 

Um desses locais, entre a Rua de Diogo Cão e a Rua de Contumil, no Porto, está a ser em grande parte destruído em resultado da construção dum empreendimento urbanístico. Um espaço que há mais de 20 anos tem sido utilizado por aqueles que moram na sua vizinhança como um jardim de proximidade, e que tem sido assim mantido pela Câmara Municipal do Porto.(1) Será agora amputado na sua parte mais relevante, a de mais fácil acesso aos moradores, e que contém algumas dezenas de árvores, várias imponentes. Um jardim perfeitamente enquadrado no tecido urbano e já parte inseparável na memória coletiva do lugar: como se explica ter-se chegado ao ponto de nele ser autorizada a construção de vários prédios, retirando aquele espaço à fruição dos vizinhos e da cidade?

A Câmara Municipal do Porto deve uma explicação aos munícipes relativa à sequência de decisões que foram tomadas ao longo das últimas décadas e que agora culminam na mutilação do espaço verde existente entre a Rua de Diogo Cão e a Rua de Contumil. Deve também tornar públicos os planos para a área verde remanescente, incluindo um cronograma que identifique quando ficará disponível para usufruto pelo público. 

 

Urge discutir e definir limites à artificialização do solo

 

O caso em apreço só surpreende quem não está ciente do processo contínuo de artificialização, no que diz respeito à ocupação do solo, e para o qual não se vê fim. No caso particular do município do Porto, nos últimos 65 anos um terço do solo foi impermeabilizado por todo o tipo de construções e vias, somando a outro terço que já o era.(2) Portanto, apenas pouco mais de 30% da área do município é hoje permeável, sendo que apenas 10% está sob gestão do município. Quanto mais se poderá perder, nomeadamente em resultado da construção prevista no atual Plano Diretor Municipal? Saberá o município do Porto?

O município tem vindo a sofrer de eventos climáticos extremos, em particular chuva intensa em intervalos de tempo curtos, com uma frequência que só era esperada daqui a uma década ou mais, em virtude das alterações climáticas. No último Verão houve ribeiras que secaram quando nunca antes tal tinha acontecido, e meses depois tivemos pelo menos dois episódios de inundações cuja frequência deveria ser a cada 40 anos. 

Seca, inundação e baixo nível de permeabilização no Porto

As consequências dos eventos climáticos extremos (seca e inundações) são acentuadas pelo baixo nível de permeabilização do município, do qual tem resultado um abaixamento dos níveis freáticos, o que por sua vez coloca em risco o património arbóreo do município, e a adaptação deste aos efeitos das alterações climáticas, em particular ondas de calor. 

É essencial iniciar a discussão sobre limites à artificialização do solo na cidade, com base em critérios ecológicos e tendo como pano de fundo o impacto previsto das alterações climáticas. É preciso apostar mais na reabilitação do parque habitacional existente, e compensar a eventual impermeabilzação de novo com a renaturalização de áreas hoje artificializadas, em particular aquelas não ocupadas por edifícios e que somam quase metade da área do município. Temos, como exemplo, a cidade de Paris que prevê re-naturalizar uma parte significativa da área hoje ocupada por ruas, estradas e parques de estacionamento.(3)

Deixamos estes desafios à Câmara Municipal do Porto: informe os munícipes relativamente à área ainda permeável do município passível de ser artificializada de acordo com o atual Plano Diretor Municipal; crie um grupo de trabalho com o objetivo de identificar a fração da área do município que será necessário manter ou reverter para um estado naturalizado, em particular tendo em conta a adaptação aos efeitos previstos das alterações climáticas e o compromisso expresso do município de promover a biodiversidade; proceda à discussão pública das conclusões do grupo de trabalho criado.

 

Campo Aberto – associação de defesa do ambiente

 

Porto, 23 de Maio de 2024

 

(1) Nó das Antas: jardim perdido e mutilado (https://www.campoaberto.pt/2024/04/28/no-das-antas-jardim-perdido-e-mutilado/)

(2) Assessment of land cover trajectories as an indicator of urban habitat temporal continuity, Filipa Guilherme, José Alberto Gonçalves, Miguel A. Carretero, Paulo Farinha-Marques, Landscape and Urban Planning 242 (2024) 104932

(3) Paris quer remover 40% do asfalto para enfrentar picos de calor, Jornal Público, edição online, 11h05m, 30/08/2023