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quarta-feira, 3 de julho de 2024

O Tempo dos Fantasmas



Talvez por andar distraído, entregue às mil inutilidades que me interessam, acordei, um destes dias, com uma comichosa sensação de estar em terra estranha, onde o óbvio se tinha tornado excêntrico e o fantasioso se transformara em programa colectivo.
Não terá sido um momento, mas um processo lento, de causas e motores variados, imbrincados numa conspiração cósmica, de confluência arbitrária de factores desencontrados.

Como qualquer mortal, fui ao Google. Oráculo dos tempos novos, aí se encontram as respostas para quase tudo, sobretudo para o que não importa.
O oráculo remeteu-me para jornais, influencer's e redes sociais, onde a vida que não respira se concentra.
Link após link, fui navegando e descobrindo (anule-se este termo das actas, por colonialista!) que o bom senso morreu. Fiquei triste e encomendei-lhe a alminha, enquanto me espantava por ver surgir no seu lugar "narrativas" empoeiradas e suicidas.

À esquerda, sempre na vanguarda da estupidez de massas, abate-se tudo o que queira ficar de pé, em nome de recomeços prometidos em cada madrugada. É tradicional? Derrube-se. Dá lucro? Boicote-se. É consensual? Elimine-se. É razão de celebração? Denigra-se. É estável? Abane-se… que há-de caír.

Num dos links aparecia uma senhora do Bloco de Esquerda a perorar sobre o suposto "papel fundador do racismo" que, na sua cabecinha, Portugal terá tido. "A estrutura do racismo, enquanto uma estrutura de poder, de desigualdade, é uma invenção para desumanizar e justificar a escravatura e o tráfico de pessoas escravizadas e Portugal teve um papel fundador original nesse processo", disse a senhora. Dizer que Portugal teve um papel "fundador original" no racismo é mais ou menos o mesmo que dizer que a epidemia de Covid-19 teve um papel fundador original na arte de fazer pão em casa.
A senhora e os seus disparates não têm importância nenhuma. São, apenas, o triste reflexo de um conjunto de narrativas que desistiram da verdade em nome de desconstruções sociais, de lutas identitárias condenadas ao fragmento e de cocktails ideológicos sem ponta por onde se lhes pegue (vejam-se as manifestações "free Palestine", onde as bandeiras erguidas e gritadas seriam as primeiras a arder e a ser silenciadas em qualquer rua de Gaza…).

Do outro lado, ressurgiram palavras de ordem que ecoam por toda a Europa - Deus, Pátria, Família – embora cada grupo ou partido que as grita lhes dê o seu particular significado. As direitas parecem estar ao rubro e, pelo cheiro, bastante queimadinhas.
Invocar Deus nas lutas políticas é, simplesmente, estúpido. Tirar fotografias a rezar para campanha política é execrável. Autointitular-se "enviado" de Deus para uma missão política salvífica é demencial. Aos crentes, que verdadeiramente o são, pede-se compromisso político, feito com humildade, generosidade e, já agora, honestidade intelectual e espiritual. E, sempre, defesa do bem comum e dos mais frágeis.

Em segundo lugar, os nacionalismos patrioteiros são redutores e enraizados em equívocos. A nossa história não é gloriosa, nem vergonhosa; é apenas a nossa história e eu não sou culpado, nem herdeiro, das glórias ou erros passados. Foi o que foi. Aceite-se, celebre-se no que nos une e tentemos fazer melhor. Nascer português não tem nenhum mérito, nem o queijo da serra é o melhor queijo do mundo. As fronteiras são importantes, mas não definem bons e maus. Celebrar a pátria não é excluír ninguém, mas valorizar a língua que nos une (a minha pátria é a língua portuguesa… escreveu Pessoa); apreciar a nossa cultura, que outros podem partilhar; a nossa gastronomia, que outros pode alimentar; o nosso fado, que outros podem cantar; o nosso chão, onde outros se podem levantar.

E sobre a família… grande confusão. Uns e outros a destroem, querendo reinventar-lhe as formas ou preservá-la como organigrama obrigatório. Curiosamente, uns e outros descuram o que faz uma família, seja qual for a sua forma: Compromisso, generosidade, sacrifício, estabilidade, entrega… tudo coisas que dão trabalho!

E assim se levantam os fantasmas, divididos em extremos conforme as cores dos lençóis que os cobrem, mas todos cada vez mais assustadores.
Mas só se os deixarmos. Porque os fantasmas só assustam quem neles acredita.

Manuel Vieira / Facebook