Artur Veloso Vieira, Diocese do Porto
Esta cidade está habituada a multidões e a grandes celebrações. Todos os anos, os Santos Populares e a Passagem de Ano. Mais frequentemente, as vitórias do Benfica e do Sporting, as noites de Champions. Os grandes concertos no Campo Pequeno, no Coliseu dos Recreios e na Altice Arena. O Rock in Rio e a WebSummit. A Maratona e a Meia Maratona.
Mas agora é diferente. Vem gente de todo o mundo — contam-se mais de 180 países. Estão em todo o lado: do Terreiro do Paço ao Marquês, do Parque das Nações a Belém. Em todos os concelhos da Área Metropolitana. É impossível andar em Lisboa sem os ver, com as suas bandeiras nacionais, regionais, locais, paroquiais, de movimentos e congregações.
E, afinal, o que move toda esta gente? Parece incompreensível — tomaram todos os transportes para cá chegar, não parecem ter dormido muito e não pode dizer-se que sejam a multidão mais limpa que esta cidade já viu. Afinal, estão a pernoitar em pavilhões, escolas, edifícios sem uso. Em qualquer pedaço de chão. Os que podem tomam um banho rápido em balneários, com água fria, e, logo que se aprontam, retomam o caminho em direção à estação mais próxima. Alguns foram acolhidos em famílias que decidiram abrir as portas a desconhecidos e recebê-los como sangue do seu sangue.
E lá vêm eles para a cidade — uns de barco, outros de comboio, outros de autocarro. Vê-se que têm pressa de chegar a algum lado.
Num dia, sobem a Avenida da Liberdade em direção ao Marquês. Dezenas de nações, lado a lado, cada uma com o seu cântico. Há uma certa alegria no ar, diferente da de qualquer outro evento ou celebração. Ao chegarem ao topo da Avenida, não descansam e sobem ao Parque Eduardo VII. E quem os espera, afinal? Um cardeal septuagenário, o primeiro a sonhar com este encontro, que tem para lhes oferecer uma missa e algumas palavras ditas na sua voz pequenina. Lembra-os que a vida não é para ser vivida em frente ao ecrã. Ninguém fica indiferente à mensagem.
Noutro dia, regressam ao mesmo sítio, agora para verem um ancião ainda mais velho, nascido num bairro de Buenos Aires. Parece fisicamente debilitado, mas as suas palavras ecoam naquela multidão e conseguem reanimá-la. Quer uma igreja para todos, todos, todos.
A multidão não cessa o seu movimento nos dias seguintes. Vão a Belém ouvir padres, frades e freiras falar de vocações, de opções radicais. E ouvem com interesse. Na Cidade Universitária há um torneio desportivo, mas ninguém quer saber quem vence. Parece que esta multidão só está interessada em estar junta. Em viver lado a lado.
O ancião de branco convoca-os uma outra vez para assistirem a uma devoção muito antiga (antiquada?): a Via Sacra. Mas, afinal, as 14 estações são mais actuais que nunca, e os testemunhos dados lembram que esse caminho continua a ser percorrido hoje. A multidão não esmorece e sai revitalizada.
Chega o fim-de-semana e a cidade começa a ficar mais vazia. Estão todos a ir em direção ao rio. Quem sabe, cansaram-se. Afinal, toda a gente dizia que a Igreja está morta, apenas os mais velhos estão interessados na sua mensagem e esta Jornada está muito mal organizada, é um fiasco à espera de acontecer. A multidão deve ter-se fartado e vai embora.
Descem a caminho da Gare do Oriente, provavelmente para tomarem o seu transporte de regresso a casa. Porém, lá chegados, não param. Seguem pela marginal, onde antes havia um aterro sanitário. Afinal, os cânticos não cessaram, as bandeiras continuam erguidas e a pressa está ainda mais presente.
Chegam ao parque do rio Trancão e instalam-se. As quadrículas enormes do terreno são, agora, pequenas. A foz do Tejo refresca este mar de gente, sob o calor de Agosto. Quando o sol se põe, volta o ancião de branco. Os cânticos sobem de tom e o entusiasmo é contagiante. Fala-lhes das raízes da alegria, de quem caminhou com cada um deles até aqui, de quem os fez peregrinos.