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terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Enfermeiros no limite das capacidades

Os pedidos de escusa de responsabilidade dos enfermeiros começaram a chegar à ordem profissional que os regula. Já partiram 34 do hospital de Santarém, onde os doentes têm de ficar internados na urgência por não haver onde os colocar.
    23 Janeiro 2024, 08h42

    A urgência do hospital de Santarém está a funcionar nos limites da indignidade e da desumanização. A denúncia parte da Secção Regional do Sul (SRSul) da Ordem dos Enfermeiros (OE), após ter visitado duas vezes, nos dias 11 e 17, aquela unidade de saúde da Lezíria, e depois de ter recebido 34 pedidos de escusa de responsabilidade de enfermeiros que ali prestam serviço.

    "Nas últimas três a quatro semanas, devido ao fluxo da procura de cuidados causado pelo aumento das infeções respiratórias, instalou-se o caos na urgência no hospital de Santarém, colocando a equipa de enfermagem numa situação-limite", explicou ao NOVO Dora Franco, presidente da SRSul (na foto). Segundo esta responsável, chegaram a estar 100 doentes internados naquele espaço de atendimento. "Não é expetável", disse, observando: "As pessoas, depois de estabilizadas, deveriam ser direcionadas para os serviços da respetiva área médica especializada." Mas, denunciou a presidente da SRSul, "os doentes acabam por ficar internados na urgência mais de uma semana, sem condições e sem observação médica adequada".

    Há menos de um mês a dirigir a SRSul da Ordem dos Enfermeiros, Dora Franco deslocou-se imediatamente ao hospital da Unidade Local de Saúde (ULS) da Lezíria, no dia 11, depois de ter recebido os primeiros alertas da equipa daquela estrutura regional  da OE, que ali tinha estado no dia 7.

    Para Dora Franco, "há naquele hospital uma série de problemas de fundo que não são exclusivos da urgência, mas da instituição, na verdade, problemas que afetam o Serviço Nacional de Saúde". E frisou: "Toda a equipa de enfermagem está unida na identificação daquela situação-limite."

    Conforme explicou ao NOVO, em primeiro lugar, a urgência está subdimensionada para as necessidades da população. Depois, apresenta-se como a única resposta da zona em termos de urgência. O diretor do serviço demitiu-se no final do ano passado e ainda não foi substituído. O número de médicos de medicina interna tem vido a diminuir, ao mesmo tempo que o número de internamentos naquela área de especialidade tem vindo a aumentar. O conselho de administração da ULS ainda não foi nomeado, mantendo-se numa espécie de limbo, sem grande margem de manobra para tomar decisões de fundo, como que vagueando num espaço cinzento. A situação agrava-se ao verificar-se que grande parte dos utilizadores é idosa, a viver em equipamentos residenciais para pessoas idosas (ERPI).

    A SRSul foi ali encontrar a equipa de enfermagem "numa situação-limite, com sinais de burnout, de exaustão física e psicológica". Contudo, observou Dora Franco, "aquela equipa é o último reduto no controlo do caos, tentando manter algum equilíbrio de forma a ser possível preservar a  humanidade e a dignidade dos doentes".

    Em declarações ao NOVO, a responsável foi perentória: "Concluímos sem grande dúvida que não estão a ser prestados cuidados com segurança naquela urgência." Mais: "Não estão a ser respeitados os direitos fundamentais e a segurança dos utilizadores." E isto tem consequências: "Aumento dos erros e dos efeitos adversos,  agravamento da doença, aumento das taxas de infeção, falta de isolamento adequado dos doentes que têm patologia do foro respiratório infecioso, aumento das quedas, porque muitos doentes permanecem em macas, e, consequentemente, o aumento da taxa de mortalidade."

    A presidente da SRSuL, que também é enfermeira no IPO-Lisboa, avisa: "Ninguém pode ficar indiferente a estas consequências."

     

    Parcerias

    Sendo o hospital uma valência da ULS de que os municípios são também responsáveis, a SRSuL já se reuniu com oito autarquias da região da Lezíria com o objetivo de se encontrarem soluções que envolvam os prestadores de serviços de saúde e a comunidade.

    "As ULS poderão facilitar uma abordagem com uma estratégia comunitária", observou Dora Franco, defendendo: "As ULS  estão orientadas para a comunidade e, nesse sentido, devem também contar com o apoio corresponsável da comunidade." Porque, sublinhou, "podendo ser uma oportunidade, as ULS são ainda causadoras de alguma insegurança".

    Assim, a SRSul foi junto das câmaras municipais defender o estabelecimento de parcerias para o desenvolvimento de projetos locais que envolvam, nomeadamente, as ERPI, lembrando que os idosos são quem mais recorre às urgências.

    Neste sentido, Dora Franco sugere o desenvolvimento de projetos ao nível dos cuidados de saúde primários que coloquem o enfermeiro no papel que deve assumir e que a Organização Mundial da Saúde lhe atribui: "Ser gestor do processo clínico das pessoas, quer ao nível da prevenção quer ao nível do cuidado das doenças, incluindo as  crónicas."

    Conforme explicou, está provado em termos científicos que o enfermeiro, colocado no centro do sistema, permite melhorar a adesão dos doentes aos regimes terapêuticos, melhorar a qualidade de vida e reduzir a complicação associada às doenças crónicas. Em suma, "uma melhor gestão dos cuidados de saúde primários, com o enfermeiro no centro do sistema, resolveria grande parte dos problemas das urgências", salientou.

    Depois, avançou ainda a responsável, também a estratégia de intervenção das ERPI deve ser analisada, lembrando a centralidade que os enfermeiros devem ter nessas estruturas. "A última portaria, n.º 349/2023, parece que omite a importância do enfermeiro e não deveria ser assim", alertou.

    Enfermeiros no limite das capacidades (sapo.pt)