Unidade, para que te quero? - Triplov INFO

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segunda-feira, 25 de março de 2024

Unidade, para que te quero?

A iniciativa, do Bloco, propor reuniões com os vários partidos de esquerda após as eleições foi muito importante. Aberta a tão bem guardada caixa de Pandora da unidade de esquerda, quem a encerrar ou deixar esquecida poderá pagar um preço elevado.

Em política, a capacidade de iniciativa vale muito, sobretudo em momentos críticos. Por isso, a iniciativa, rápida e certeira, de o Bloco convocar reuniões com os vários partidos de esquerda após as eleições foi tão importante.

Na esfera pública, inevitavelmente, a proposta ganhou contornos mais amplos do que aquilo que, por enquanto, está em cima da mesa: reuniões conjuntas. Assim foi porque esse passo demonstrou que a esquerda não se foi abaixo, não se deixou paralisar com o tsunami reacionário da noite de 10 de março.

Ter sido o Bloco a tomar a iniciativa fez toda a diferença. Não teria o mesmo alcance ou conteúdo um convite semelhante feito por qualquer outra força de esquerda.

Isto posto, há unidades e unidades. «Como?», «com quem?» e «para quê?» são questões que se colocam.

Prosseguir nesta senda para além do que se propõe nesta primeira fase – reuniões conjuntas e reforço da preparação do 25 de Abril – será muito importante. Aberta a tão bem guardada caixa de Pandora da unidade de esquerda, quem a encerrar ou deixar esquecida poderá pagar um preço elevado. As responsabilidades aumentaram.

Levantam-se então legítimas questões: não foi o voto no Chega um protesto contra o PS? Não responsabilizámos – e bem – a orientação centrista do PS por sabotar o avanço da esquerda nestas eleições? Se assim é, voltar a aproximações com o PS não será virar as costas aos desiludidos da governação socialista e diluir a esquerda combativa naquilo que foi tão veementemente rejeitado?

Diria que, sendo estas indagações justas, há algumas respostas que as podem esclarecer.

Primeira. É certo que cabe à esquerda recuperar parte do voto que, vindo do centro-esquerda, se encaminhou para a extrema-direita. Se há uma parte da base do Chega que é estruturalmente reacionária e onde nada pescaremos, há outra que assim não é. O erro é achar que chegaremos a essas pessoas com uma política feita à medida das ideias reacionárias que as seduziram. A tentação de fazer da crítica ao PS o centro da tática hoje resultaria numa desorientação total e numa unidade de ação de facto com a extrema-direita. A esquerda que o fizesse não ganharia ninguém ao Chega e divorciar-se-ia das parcelas mais conscientes e organizadas da classe trabalhadora e da juventude. A parcela disputável dos eleitores do Chega virá para a esquerda se arrastada por uma onda popular que coloque os direitos sociais no centro do debate. Nenhuma força de esquerda pode mobilizar essa força social sozinha – para o fazer é precisa a unidade. E não haveria hipótese de discutir seriamente essa unidade poupando o PS ao desafio de se posicionar. Tal como Chega arrastou parte do centro polarizando à direita, devemos fazer algo simétrico à esquerda. Isso só pode ser feito unindo forças.

Segundo. Falar de unidade de esquerda sem, neste momento, desafiar o PS, não só não é credível como seria poupar o PS. O desafio, feito pelo Bloco e com base a uma agenda de mobilização social e da defesa de direitos, é a melhor forma de confrontar o PS com o seu legado. Quem o entendeu logo foi Augusto Santos Silva, que se veio lamentar da forma como a iniciativa unitária do Bloco incide sobre o seu partido, que ele quer encostado ao centro. Que a tenaz se aperte sobre Santos Silva e cia., não sobre nós – é esse o valor do desafio ao PS (sempre que feito nos moldes corretos).

Terceiro. Não deixa de ser verdade que há riscos na unidade. Nos tempos que correm não há política de esquerda sem riscos. O abraço do urso não pode ser subestimado. Como combatê-lo? Mantendo a autonomia: mais iniciativa, campanhas, propostas, presença nas lutas; uma tática unitária não exclui, pelo contrário, a autoafirmação de uma esquerda de combate socialista e popular. A par disso, há que tecer laços mais fortes entre a esquerda da esquerda e com os movimentos sociais e laborais, por baixo. No interior do amplo campo das esquerdas deve existir um polo de combate social que não se confunde com a hesitação centrista que sempre caracaterizará o PS – também esse polo é um trabalho unitário, de baixo para cima. Por fim, centrar este diálogo amplo num programa audaz, assente na defesa dos salários, da habitação e dos serviços públicos, bem além do que tem sido a agenda do PS, fará o resto. Lutar para que esta seja a base de qualquer convergência, e não uma defesa genérica da democracia feita à medida do PS, é o antídoto necessário ao abraço fatal do urso.

Será duro e difícil, como tudo daqui em diante. Mas é a alternativa possível ao estreitamento do espaço da esquerda de combate – e esse é um risco existencial que espreita na próxima esquina.